Pesquisadores aprimoram tecnologias para auxiliar produtores na conservação do pingo
Foto: Acervo/Daniel Arantes


Estudos realizados pela Epamig detalham as melhores condições de preservação do fermento natural pingo, promovendo qualidade e segurança ao Queijo Minas Artesanal

Minas Gerais, terra de tradições e sabores únicos, guarda um tesouro milenar nos campos e queijarias: o “pingo”. Esse fermento natural, obtido do soro do leite, é considerado a alma do Queijo Minas Artesanal (QMA), por conferir-lhe sabor, aroma e textura inigualáveis.

O “pingo” é coletado da mesa de fabricação, na forma de soro drenado, após a salga e a primeira viragem dos queijos recém-produzidos. Ele é mantido em temperatura ambiente e utilizado como fermento no dia seguinte para a produção subsequente.

No entanto, a qualidade do “pingo” é um fator fundamental para a primazia e segurança do queijo artesanal. A partir deste entendimento, é que os pesquisadores da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) entram em cena.

Desvendando o “pingo”

Os pesquisadores da Epamig dedicam-se a estudar o “pingo” em profundidade. Mediante análises microbiológicas e químicas, eles identificam as bactérias lácticas benéficas que o compõem, além de estudar formas de controlar e reduzir a presença de microrganismos indesejáveis.

O “pingo” é um ecossistema complexo, que abriga uma diversidade de bactérias láticas, as quais têm um papel fundamental na formação da textura, sabor e aroma dos queijos artesanais.

“Essas bactérias láticas também têm efeito protetivo no queijo, pois elas inibem o crescimento de microrganismos indesejáveis, que podem causar defeitos no queijo, ou até mesmo doenças nos consumidores”, explica o pesquisador responsável pelo Centro de Pesquisa e Treinamento em Queijos Artesanais (CPTQA) da Epamig, Daniel Arantes.

“Nosso trabalho é pesquisar como garantir que esse ecossistema esteja equilibrado, livre de microrganismos que possam comprometer o sabor e a segurança alimentar do produto final”, complementa o pesquisador, o qual é filiado à Associação dos Pesquisadores da Epamig (Aspe) e coordenador da Rede Mineira de Pesquisa em Queijos Artesanais (RMQA).

Tecnologia a serviço da tradição queijeira

Além dos estudos científicos, os pesquisadores agropecuários da instituição desenvolvem e aprimoram continuamente tecnologias para auxiliar os produtores na conservação do “pingo”. Essa tarefa é delicada, pois exige cuidados para a produção de um queijo artesanal de alta qualidade e seguro para o consumo.

Falhas na higiene da ordenha ou no processo de fabricação podem comprometer a qualidade do “pingo”, permitindo a proliferação de microrganismos contaminantes. Isso pode resultar em defeitos nos queijos, tais como estufamento, alteração na textura e formação de sabor amargo, levando a perdas de produção e prejuízos econômicos para os produtores de queijos artesanais.

Estudo no Campo das Vertentes

Para responder a essa questão, Daniel conduziu um estudo na região do Campo das Vertentes, onde produtores da Associação de Queijo Minas Artesanal da região (AQMAV) apresentaram dúvidas sobre as condições ideais de armazenamento do “pingo”.

O estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e conduzido nos laboratórios do Centro de Pesquisa e Treinamento em Queijos Artesanais (CPTQA), em São João del Rei-MG.

Assim, foram coletadas amostras de “pingo” em queijarias artesanais certificadas da região do Campo das Vertentes, que atendem todos os critérios sanitários exigidos pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) para a produção do Queijo Minas Artesanal.

As amostras foram recolhidas em frascos esterilizados até 12h após a fabricação do queijo, e fracionadas para serem submetidas aos tipos de armazenamento que refletem as condições que os produtores de queijos artesanais da região utilizam.

O experimento analisou os efeitos do armazenamento refrigerado (4 a 8°C) e congelado (abaixo de -20°C). Foram avaliados o crescimento das bactérias láticas, bem como o desenvolvimento de alguns microrganismos indesejáveis, como coliformes, estafilococos, bolores e leveduras, ao longo do tempo.

Os resultados da pesquisa mostram que os “pingos” da região do Campo das Vertentes, mantidos sob refrigeração por até três dias, preservam as quantidades de bactérias láticas muito próximas a dos frescos. Assim, a recomendação para os produtores dessa região é que mantenham estoques saudáveis, sob refrigeração de 4 a 8°C, renovando-os a cada três dias.

O congelamento por até dez dias, mesmo com uma redução na quantidade de bactérias láticas, pode ser uma opção, considerando que o efeito na redução da quantidade de microrganismos indesejáveis, como coliformes, bolores e leveduras, foi mais intenso.

Futuro da pesquisa

Considerando que cada região apresenta uma microbiota (comunidade microbiana) própria, estudos sobre as condições de preservação do “pingo” devem ser conduzidos em cada uma delas, para compreender como os microrganismos são afetados.

É o que a nova pesquisa aprovada no Edital 12/2024 – “Estudo do fermento endógeno dos Queijos Artesanais em Minas Gerais: do uso empírico ao conhecimento científico e tecnológico” – também coordenada pelo pesquisador Daniel Arantes, busca compreender.

“Nosso próximo passo é compreender como os diferentes tipos de bactérias láticas no pingo são afetadas pelo armazenamento a frio. Um novo projeto em andamento, também apoiado pela Fapemig, vai avaliar como os pingos das outras regiões produtoras se comportam nessas condições de armazenamento, para que assim possamos desenvolver recomendações de conservação deles para todas as regiões mineiras”, ressalta Arantes.

A equipe desta pesquisa conta com professores e pesquisadores da RMQA de diferentes instituições, localizadas próximas às regiões produtoras de queijos artesanais, de modo a otimizar a logística de coleta e análise das amostras. Ela foi aprovada no edital de Fortalecimento e Consolidação da Pesquisa na Epamig, e iniciou em fevereiro de 2025.

Preservando a tradição do QMA

Vale destacar que o Queijo Minas Artesanal (QMA) é um produto tradicional, com forte identidade gastronômica, sendo reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

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ASPE: Em defesa dos direitos e interesses dos Pesquisadores Agropecuários da Epamig.